quinta-feira, março 07, 2013

O novo mundo do protesto


Em democracia, as grandes manifestações tendiam a ser organizadas com propósitos claros. Se, por um lado, serviam para expressar o descontentamento social, por outro, eram momentos privilegiados para promover uma nova articulação de interesses que, sendo organizada politicamente, produzia mudança. Não por acaso, as manifestações encontravam intérpretes orgânicos – partidos, sindicatos ou outros movimentos sociais – que, uma vez ultrapassado o momento de contestação de rua, mantinham os factores de protesto na agenda pública, ao mesmo tempo que se batiam pela sua transformação em políticas concretas, conferindo sentido e eficácia aos protestos.
Se o modo verbal que utilizo é o passado é porque me parece que as grandes manifestações de hoje estão já distantes deste padrão. A manifestação que decorrerá em todo o país, tal como a do passado 15 de Setembro, e antes dessa, as grandes manifestações contra o Governo Sócrates, é bem distinta quer das manifestações populares do passado, quer daquelas que, entre nós, a CGTP continua a organizar.
Há naturalmente uma função social que continua a ser desempenhada. Quando as pessoas se manifestam, canalizam o descontentamento e, ao fazê-lo, exorcizam o mal-estar que pressentem individualmente e que encontra eco através da comunhão com milhares de outros manifestantes. Para mais, considerando que a onda de protestos recentes – por exemplo o “grandolar” – encontra acolhimento mesmo entre aqueles que não participam ativamente, as manifestações, por si só, desempenham um papel relevante: consolidam laços de pertença a uma comunidade, que é por definição política.
Contudo, há um conjunto de ilusões associadas a estas novas formas de participação.
A primeira das quais é a ilusão criada pelas redes sociais. O facebook, os blogues e o twitter potenciam formas de expressão política ambicionadas há séculos – não intermediadas, diretas e individualizadas. Mas se estas formas de participação podem ser muito expressivas, não são, no entanto, capazes de funcionar como válvulas de escape para o descontentamento. Pelo contrário, as redes sociais acabam por funcionar como repositórios de tensões e ressentimentos, em lugar de promoverem a sua superação.
Mas, talvez, a maior das ilusões se prenda com o efeito das novas manifestações. Seja nas redes sociais ou, hoje, nas ruas do país, a força dos protestos não se traduz em mudança política efetiva. Não apenas porque há contradições politicamente insuperáveis entre quem se manifesta, mas, no essencial, porque não há (ainda) quem interprete os protestos e quem os traduza num programa político alternativo.
Não nego a importância do protesto baseado na recusa do que existe, mas, sem alguém que o represente organicamente, a sua eficácia é reduzida. Ora o problema é precisamente esse: as formas tradicionais de representação de interesses já não são vistas como representativas, mas ainda não foram encontradas novas formas capazes de organizar a mudança. O que só consolida a natureza radicalmente nova da crise que enfrentamos.
publicado no Expresso de 2 de Março