sexta-feira, dezembro 21, 2012

Uma teoria geral dos buracos


Vale a pena recordar a história do homem que tinha como ambição elaborar uma teoria geral dos buracos. De cada vez que era confrontado com uma qualquer questão simples – Que tipo de buracos? os feitos pelas crianças na construção de castelos de areia? os que são escavados para assentar as fundações de uma construção? Os que um agricultar cava para lançar sementes à terra? -, ele respondia, em tom indignado, que a sua aspiração era desenhar uma teoria geral, capaz de explicar todos os buracos. O que era uma evidência para o teórico dos buracos, é negado pelo senso comum – as explicações dos diferentes tipos de buracos variam.
Quando pensamos no modo como a discussão sobre a refundação do Estado foi lançada, ficamos com a impressão de que se, por absurdo, obedeceu a algum princípio foi à teoria geral dos buracos. Não se sabe de que é que se está a falar e realidades muito diversas são tratadas como sendo iguais.
O que está em causa é um desequilíbrio orçamental. Se assim é, qual a razão para iniciar a discussão colocando o enfoque nas funções sociais? A menos que se confunda Estado social com toda a despesa (das funções de soberania aos salários na administração pública, passando pelos tribunais) não há motivo para que não se tenha um debate aberto sobre o conjunto das políticas públicas. Ao procurar centrar o pseudodebate nas funções sociais, fica claro que a crise é uma oportunidade para impor uma agenda ideológica que tem como ambição diminuir as responsabilidades públicas nas áreas sociais.
Esta agenda é reveladora da ligeireza com que somos governados. Como nos ensina a história, um pouco por toda a Europa e independentemente da sua natureza, os Estados sociais cumpriram invariavelmente três funções: socializar os riscos; criar uma comunidade de pertença e legitimar os regimes políticos (mesmo os autoritários). Não por acaso, o Estado social foi construído para cooptar as classes médias. Podemos bem enveredar por um caminho que crie um Estado social de mínimos, dirigido ao combate à pobreza, mas essa opção terá consequências: o sentimento de pertença à comunidade será afectado e a legitimidade política do regime sofrerá abalos.
Não menos insólita é a tentativa de tratar como igual o que é diferente, mesmo se nos cingirmos às áreas sociais. Se o valor avançado, 4 mil milhões de euros, deve ser colocado em perspectiva (estamos a falar de 2/3 do orçamento em educação e metade do que o Estado gasta com saúde), não menos importante é ter presente que os desafios que enfrenta a sustentabilidade do SNS não são os mesmos da educação ou da proteção social. Do mesmo modo que não há uma teoria geral capaz de lidar com as várias áreas sociais, também cortes feitos a régua e esquadro só poderão dar maus resultados.
Estamos a ser arrastados para o pior dos mundos: um mau debate, movido por uma agenda ideológica insensível à realidade e implementada com ligeireza. Talvez quando este Governo for removido seja possível falar de uma teoria geral dos buracos. 
publicado no Expresso de 15 de Dezembro